Artigo de Alexandre Garcia
Língua ou patoá
Há 13 anos, temos uma língua constitucionalmente oficial. A
nossa Constituição estabelece, a partir de 1988, que "A Língua Portuguesa
é o idioma oficial da República Federativa do Brasil". É o artigo 13 da
Constituição e o número deve ter trazido má sorte. Desde então, a língua vem
sendo deturpada como nunca.
Talvez não seja o número, mas a sina de passar a ser
maltratada porque virou lei. Agora passou na Câmara e está indo para o senado
um projeto do Deputado Aldo Rebelo, do PC do B de São Paulo, que torna
obrigatório o uso da língua portuguesa no Brasil. Parece desnecessário, já que
está na lei maior. Mas o projeto prevê punições para quem usar língua
estrangeira.
Quando o projeto foi apresentado, muita gente achou ridícula
a intenção do deputado. Alguns chegaram a ironizar o nacionalismo xenófobo do
parlamentar, como uma compensação freudiana pelo fim do internacionalismo
comunista. Mas, pensando bem, há um exagero no uso de palavras estrangeiras. E
é tudo uma questão de moda. Usar citações latinas já foi sinal de erudição de
jornalistas, oradores e literatos no século dezenove. Depois, veio o mesmo
exibicionismo com o uso na língua francesa, na primeira metade do século
passado. A partir da segunda metade, impôs-se o Inglês.
Chegou-se ao ponto de se criar para palavras inglesas
significados que elas não têm nos Estados Unidos. O nosso outdoor, lá se chama
billboard. O nosso smoking, lá se chama tuxedo, e o nosso shopping lá se chama
mall - só para lembrar algumas. Pelo projeto do Deputado Rebelo, a gente vai
ter que chamar o cartaz de rua de cartaz de rua, o traje de gala de traje de
gala e o centro comercial de centro comercial, não é isso? O autoatendimento
vai ser autoatendimento, em lugar de self-service, e o delivery vai ser entrega
mesmo. Vejam que os portugueses chamam o mouse do computador de ratinho. Aqui,
Ratinho é apresentador de TV.
O projeto permite o uso de palavras estrangeiras em nomes,
títulos, marcas, manifestação do pensamento, expressão intelectual, artística e
científica; situações de força legal ou interesse nacional - o que, na prática,
abre um buraco enorme na restrição da lei, e vai deixá-la sem efeito. O efeito
pode ser o que está provocando: chamar a atenção da gente para a deturpação da
língua. Só que a deturpação mais grave está ocorrendo com ela própria.
Inventam-se palavras horrorosas, substituindo as mais
simples da nossa bela língua. Por que "disponibilizar" em lugar do
simples "oferecer"? Por que "final de semana", se não
existe "inicial de semana"? Por que "através de" quando uma
ação não passa através de? Por que "conscientizar", em lugar de "convencer"?
Porque "posicionamento", cruzes, enterrem essa palavra
horrível! E por que "colocar", em vez de vestir, calçar, dizer,
explicar, expor, por, botar, enfiar, misturar....porque o vocabulariozinho de
quem usa a língua está cada vez menor, limitado a algumas centenas de
substantivos, verbos, adjetivos e advérbios - quanto para cada coisa, cada
ação, cada sentimento, existe o nome, o verbo, o advérbio e adjetivo próprios.
O Deputado do PC do B é um novo Caramuru: atirou no Inglês
mas acertou do Português. Cada vez mais as pessoas não estão conseguindo juntar
as palavras em frases. Não sabem concordar nem reger; não usam o tempo certo do
verbo, desconhecem a função das preposições e conjunções. Acentuação, nem dá
para mencionar. E não estou me referindo a iletrados. Isso acontece com os
diplomados. Fico imaginando se as pessoas não estão sendo treinadas para
pensar. Porque, quem escreve mal é porque pensa mal. Aí, produzem frases sem
lógica, como esta: "Afirmou que não vai." Ou "A rotina é sempre
a mesma." "Foi esfaqueado e passa bem." Se não reagirmos, nossa
língua, mesmo elevada à condição constitucional superior à bandeira e ao hino,
vai virar um patoá.
Alexandre Garcia é jornalista. Este artigo foi publicado
no início de abril/2001 em mais de 30 jornais e revistas de todo o Brasil.
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